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ASFOC

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Ofício ao ministro da Saúde

Ao Exmo. Ministro da Saúde



Dr. Marcelo Queiroga



Senhor Ministro,



Somos o Sindicato dos Trabalhadores da Fundação Oswaldo Cruz –

instituição centenária - que ao longo do tempo vem demonstrando toda

sua relevância no âmbito da saúde pública nacional.



Especialmente diante da gravíssima e massacrante crise sanitária

vivenciada há mais de um ano, os trabalhadores desta Instituição têm

demonstrado todo o seu comprometimento e esforço em prol da defesa da

vida, assim como todos os profissionais da área da saúde – já,

extremamente, esgotados diante deste terrível cenário.



Neste sentido, visando a valorização destes trabalhadores e em defesa

do SUS, escrevemos a V.Exa., assim como fizemos junto aos ministros que

o antecederam - Luiz Henrique Mandetta, Nelson Luiz S.Teich e Eduardo

Pazuello -, no intuito de inaugurar um canal de diálogo que tenha como

foco o aprimoramento das condições de promoção e defesa da saúde da

sociedade. Temos um amplo leque de temas de interesse que gostaríamos

de debater.



Gostaríamos também de, em oportunidade de audiência, apresentar a

V.Exa. uma pauta mais ampla de interesse dos seus servidores e da saúde

pública do país.



Encaminhamos ainda um posicionamento inicial da Diretoria Executiva

Nacional do Sindicato dos Servidores de Ciência, Tecnologia, Produção

e Inovação em Saúde Pública (Asfoc-SN, também reconhecido como

Sindicato dos Trabalhadores da Fundação Oswaldo Cruz) com objetivo de

estabelecer uma linha de diálogo que tenha como foco a elevação dos

padrões qualitativos e quantitativos da saúde pública do país, tanto

em termos de ampliação da cobertura da atenção como da construção

e atualização das plataformas institucionais, cientificas,

tecnológicas, educacionais e de serviços que contribuam para o

provimento de oportunidades iguais e de condições de vida digna para

todos.



Nessa perspectiva, tomamos a liberdade de apresentar a V.Exa. a nossa

visão sobre a conjuntura que impacta a área da saúde pública em

nosso país. Desde já, destacamos nossa extrema preocupação com a

eventual desvinculação das receitas destinadas à saúde e outras

áreas de atenção social.  A regulamentação da Emenda Constitucional

nº 29/2000, sancionada 12 anos depois, definindo o investimento

obrigatório em saúde de 12% da receita corrente líquida para estados

e 15% para os municípios, foi uma conquista árdua de se obter.



Lembramos que o Sistema Único de Saúde já sente os reflexos negativos

da Emenda Constitucional n° 95, que não considera as variações

demográficas e condicionantes como a inflação médica e a flutuação

cambial, elementos que afetam fortemente a dinâmica o setor saúde.

Preocupa-nos o comprometimento da capacidade do Sistema Único de Saúde

de comprimir com a norma constitucional que coloca a saúde como um

direito do cidadão e um dever do Estado.



Como é de amplo conhecimento, os trabalhadores da Fundação Oswaldo

Cruz guardam em si forte sentimento de espírito público e

comprometimento com a promoção e a defesa da saúde da população

brasileira. Por força do conceito de saúde que adotamos, estamos

comprometidos também com a construção de um projeto civilizatório

para o país. Um projeto soberano e inclusivo que tenha o bem-estar da

sociedade como objetivo central e prioritário do desenvolvimento.



Acreditamos que o primeiro e principal dever do Estado é a defesa da

vida e do bem-estar social.  Acreditamos igualmente que o Estado tem um

papel estratégico insubstituível na promoção do desenvolvimento

socioeconômico do país. Especialmente nas áreas de saúde,

educação, ciência e tecnologia que, juntamente com a indústria,

reputamos como fundamentais para a obtenção de oportunidade e

condições de vida dignas para todos. Compreendemos que uma

articulação eficiente - como prevê o conceito de Complexo Econômico

e Industrial da Saúde - entre as políticas de saúde, educação,

ciência, tecnologia e industrialização podem alavancar processos de

crescimento econômico, reduzir déficits na balança comercial, criar

empregos e plataformas de desenvolvimento autônomo e sustentável.



A integração de mercados trouxe consigo uma série de desafios

relativos tanto às formas e velocidades de propagação das doenças,

como aos mecanismos de produção do conhecimento, e de promoção e

atenção à saúde. Atualmente, além das questões acarretadas pela

ampliação das chamadas áreas de risco e pela reaparição e o

recrudescimento de antigas doenças até então tidas sob controle, a

saúde pública se vê frente ao desafio de combater patologias

emergentes sobre as quais, muitas vezes, não há ainda conhecimentos

suficientes e estruturas organizacionais ágeis e capazes de orientar a

formulação de respostas e a implementação de ações de combate mais

eficazes.



As péssimas condições de moradia da maioria das habitações

populares, o armazenamento de alimentos, o lixo, a presença de esgoto

não tratado e o cinturão de miséria que marca grande parte das

periferias dos centros urbanos acabaram por transformar as cidades em

verdadeiros celeiros de agentes nocivos ao homem. Um sobrevoo sobre os

centros urbanos nacionais é o bastante para mostrar o oceano de favelas

que cerca a maior parte das cidades brasileiras. São milhões de

pessoas vivendo em meio a focos de doenças, em habitações precárias

e inseguras, não atendidas por serviços de saneamento, fornecimento de

água tratada e outros elementos de infraestrutura considerados

básicos.



A globalização e os processos que a têm acompanhado contribuíram

também para a promoção de significativas alterações nos padrões de

comportamento das doenças e para a diversificação dos riscos à

saúde pública. Aumentaram de modo expressivo a pobreza, a rapidez de

disseminação e o alcance geográfico das ameaças à saúde.



Testemunhamos, a um só tempo, o crescimento de enfermidades

crônico-degenerativas e de doenças transmissíveis. Doenças e

problemas derivados do crescimento da pobreza e de novos hábitos de

vida também vêm se universalizando. Obesidade, tabagismo, alcoolismo,

trânsito, violência, estresse, envenenamento por consumo de

agrotóxicos, uso de drogas ilícitas, fome, inadequação alimentar,

abusos de medicamentos e depressão assumem dimensões epidêmicas,

ganhando relevância no conjunto de fatores que impactam os índices de

morbidade e mortalidade de diferentes países. Ao lado disso, vírus e

bactérias têm se tornado mais resistentes aos tratamentos

disponíveis, ao mesmo tempo em que modificam suas formas e modos de

interação com o meio, dificultando o seu controle.



Os resultados do processo de globalização têm demonstrado, portanto,

a necessidade de enquadramento da saúde como uma parte inegociável do

desenvolvimento e da busca por relações internacionais mais

simétricas. Têm demonstrado também que a saúde pública é uma área

de atenção estratégica essencial para o bem-estar das populações,

para a segurança dos países e para o bom desempenho da economia.



A configuração do mercado de vacinas e medicamentos demonstra que,

também nesse âmbito, a integração econômica possibilitada pelo

processo de globalização ampliou a assimetria entre as nações

desenvolvidas e os demais países e trouxe consigo mais problemas do que

soluções.



Impõe-se, invariavelmente, a liberdade de movimentação para o

capital, a aplicação do acordo internacional de proteção à

propriedade intelectual (Agreement on Trade-Related Aspects of

Intellectual Property Rights -TRIPS), a desregulamentação da economia

e a redução de direitos sociais. Por outro lado, os ganhos de

produtividade têm sido apropriados exclusivamente pela elite

econômica, gerando desemprego e concentração de renda. Mesmo em face

da sua enorme capacidade de gerar crises, o mercado é visto com o

melhor alocador de recursos. Fala-se em Estado mínimo até mesmo onde

tudo falta, inclusive mercado.



No que toca especificamente aos sistemas de seguridade social e aos

sistemas de atenção à saúde, podemos observar que os programas de

ajuste econômico impostos pela agenda neoliberal em voga estão

estimulando a fragmentação e a privatização desses sistemas, abrindo

espaço para planos de saúde e de previdência privada controlados pelo

capital financeiro. Uma circunstância que de acordo com alguns

analistas podem estar por trás do aumento do número de suicídios

entre idosos nos países, como o Chile e a Coréia do Sul, em que tais

medidas foram adotadas. Para seus críticos, o sistema, além de não

garantir uma aposentadoria digna para todos, sobrecarrega o trabalhador

já que, de acordo com o modelo perseguido, o empregador e o Estado

estariam isentos de contribuir para a formação dos fundos de pensão a

serem criados.



Segundo os opositores, o regime de capitalização tende a só atender

aos interesses das Administradoras dos Fundos de Pensão que ficam

livres para especular com recursos obtidos compulsoriamente da

população. Para eles, a insatisfação e os problemas observados no

sistema do Chile – pioneiro na adoção da capitalização para fins

de aposentadoria - podem ser agravados em países como o Brasil, devido

a condicionantes como o desemprego, a informalidade e precariedade do

mercado de trabalho, que muitas vezes impossibilitam a formação de

poupança para fins de aposentadoria.



Como já vem ocorrendo em muitas partes do mundo (incluindo o Brasil), a

redução do alcance do Estado e o corte dos gastos e investimentos

públicos, defendidos pelo pensamento dominante, tende a deixar

desamparadas grandes parcelas dos contingentes populacionais dos países

que, voluntária ou forçosamente, optarem pelas receitas econômicas

recessivas propaladas pelos adeptos das políticas de austeridade como

medida de combate ao déficit nas contas públicas.



Não há como negar que estamos diante de um processo de concentração

de renda que tem avançado sobre os recursos da seguridade social em seu

sentido mais amplo. Segundo analistas de renome internacional, a opção

pela austeridade tem efeitos catastróficos, que vão muito além dos

empregos e da renda perdida nos primeiros anos. Na verdade, segundo

eles, as estimativas mais confiáveis apontam para danos de longo prazo

suficientemente grandes e bastante sólidos para comprometer fortemente

o futuro do país.  Para muitos, a adoção de tais políticas atende

aos interesses daqueles que lucram com a rolagem das dívidas públicas

e com a aquisição, a baixo custo, de ativos privatizados pelos Estados

endividados.



É preciso esclarecer que, no nosso entendimento, a produção de

déficits pode conviver, de modo funcional, com o conjunto da economia.

Consideramos que déficits produzidos para fazer girar a economia podem

ser sanados pelo retorno das receitas derivadas do aquecimento do

mercado. Por outro lado, déficits originários de rolagem de dívidas e

destinados, quase que exclusivamente, a remunerar o rentismo em

detrimento do setor produtivo, podem produzir um ciclo vicioso difícil

de controlar e interromper.



Em direção diametralmente oposta ao receituário recessivo, a

Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento

(UNCTAD na sigla em inglês)  propõe reativar a economia global por

meio de medidas destinadas a:  regulamentar e controlar a movimentação

do capital; promover maior equilíbrio nas relações internacionais e

entre capital e trabalho; promover a concorrência como estratégia de

combate à formação de oligopólios e monopólios; aumentar

significativamente os recursos financeiros multilaterais e incentivar a

capitalização dos bancos de desenvolvimento; equalizar a resolução

das dívidas públicas; flexibilizar os direitos de propriedade

intelectual, principalmente aqueles relacionados à produção

científica e tecnológica voltada para a saúde pública; ampliar os

gastos e investimentos públicos, notadamente em infraestrutura, meio

ambiente e políticas sociais;  gerar empregos;  aumentar salários

conforme o aumento da produtividade; proteger as organizações

sindicais; recompor as receitas do Estado e desconcentrar a renda via

combate à sonegação e a instituição de sistemas de tributação

progressiva sobre a propriedade e os rendimentos.



Nessa mesma perspectiva, analistas têm observado que a associação

entre capitalismo rentista e monopolista tende a reduzir o ritmo da

introdução de inovações no mercado e, consequentemente, a frear o

dinamismo econômico, gerando muitas vezes desemprego e redução de

receitas fiscais.



Observa-se, ainda, um recuo na cota de crescimento dos ganhos do capital

e do trabalho em relação a elevação dos ganhos originários de

renda. Um declínio da atividade produtiva frente ao avanço do

rentismo. A concentração daí derivada retira recursos do consumo,

enfraquecendo a demanda que, por sua vez, desencoraja investimentos,

inclusive em pesquisa e desenvolvimento. Um jogo em que a imensa maioria

perde.



Defendemos, portanto, a revisão criteriosa das políticas de

austeridade e a implementação de um projeto que pense a dinâmica das

relações entre Estado, desenvolvimento econômico e sistemas de

proteção social a partir dos impactos das políticas sociais sobre o

crescimento econômico e não somente deste último sobre as primeiras,

como tradicionalmente se fez. Ou seja, um direcionamento voltado para a

capacidade do conjunto de políticas sociais de promover e facilitar o

crescimento, concomitantemente ao desenvolvimento social. Defendemos

também a existência de um serviço público de qualidade como garantia

do exercício efetivo da cidadania.



É preciso preservar as funções do Estado como defensor da vida;

indutor de um desenvolvimento econômico sintonizado com o bem-estar da

sociedade; com a proteção ao meio ambiente; e com os interesses

nacionais. É preciso um Estado defensor da democracia e promotor da

cidadania. É preciso construir um Estado que zele pelo equilíbrio nas

relações de poder na sociedade. O fato é que o país necessita, pode

e deve equacionar e resolver os gargalos que impedem que o Estado cumpra

plena e eficientemente o seu papel. Para tanto, é preciso forjar

consciência pública e vontade política republicana, solidária e

atenta aos interesses nacionais e à defesa da soberania.



A Fiocruz foi criada por Oswaldo Cruz em 1900 para fabricar soros e

vacinas contra a peste bubônica e erradicar essa doença e a febre

amarela no Rio de Janeiro. Transformou-se em uma das mais importantes e

conceituadas instituições de Saúde Pública, não apenas na América

Latina, mas em âmbito mundial. São 118 anos de dedicação à ciência

e à saúde da população brasileira. Foi responsável pelo isolamento

do vírus HIV pela primeira vez na América Latina e outros grandes

avanços científicos, como o deciframento do genoma do BCG, bactéria

usada na vacina contra a tuberculose.



É a instituição que mais forma especialistas, mestres e doutores no

campo da Saúde Coletiva nas Américas e que publica em revistas

científicas indexadas e conceituadas internacionalmente. É

responsável por parcela importante da produção nacional de

medicamentos, vacinas, protótipos, biofármacos, reativos para

diagnósticos e controle da qualidade de insumos, produtos, ambientes e

serviços sujeitos à ação da Vigilância Sanitária. Foi responsável

pelo trabalho para o estabelecimento da relação entre o vírus zika e

a microcefalia em bebês, além do registro de testes para zika, dengue

e chikungunya - exemplos da importância destacada da Fiocruz para a

saúde e a ciência brasileira. A Fiocruz possui as maiores e mais

importantes Parcerias de Desenvolvimento Produtivo, com laboratórios

nacionais e internacionais, fundamentais para a sustentabilidade do SUS,

a inovação tecnológica e produção científica.



A Fiocruz cada vez mais reafirma, diante da sociedade, o seu

compromisso, construído diariamente, de produzir ciência em benefício

da saúde da população brasileira. Seus trabalhadores sempre

demonstram a capacidade de pronta resposta em situações de

emergências sanitárias: seja por meio do monitoramento, diagnóstico e

vigilância de casos de zika, dengue, chikungunya e febre amarela ou

análise de amostras suspeitas de infecção por hepatite A; além de um

crescente surtos de sarampo em alguns estados do país.



A Fiocruz é um patrimônio do povo brasileiro. Uma instituição

estratégica de Estado reconhecida internacionalmente que orgulha os

seus trabalhadores, sanitaristas, homens de ciência e a sociedade, que

aplaude os seus sucessos e incentiva o trabalho aqui realizado. Uma

ponta de lança que vasculha a fronteira do conhecimento que não pode

se atrasar em relação aos seus concorrentes. Um raro potencial de

articulação entre demandas sociais, ciência, tecnologia,

industrialização e desenvolvimento socioeconômico sustentável. Um

patrimônio que precisa ser cuidado. Uma instituição em constante e

necessária atualização.



  Por último, em anexo, encaminhamos recente publicação do Jornal

deste Sindicato, bem como, abaixo, link relativo ao Manifesto da

ASFOC-SN à população brasileira - divulgado no último dia 7 de

abril, Dia Mundial da Saúde -, nos quais buscamos sinalizar e

aprofundar pontos cruciais relativos à atual crise sanitária.



Manifesto à população brasileira no Dias Mundial da Saúde -

http://www.asfoc.fiocruz.br/portal/content/manifesto-da-asfoc-sn-populacao-brasileira-no-dia-mundial-da-saude



Nos despedimos na expectativa de uma breve agenda para um diálogo permanente em prol da saúde e da valorização dos trabalhadores.



Atenciosamente,



Paulo Garrido



Vice-Presidente do Sindicato dos Servidores da FIOCRUZ

 

Diretoria Executiva Nacional e Coordenações Regionais

 

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