ELAINE ROSSETTI BEHRING
Jornal do Brasil
Não têm sido fáceis os dias da Seguridade Social brasileira, uma das grandes conquistas da Constituição de 1988, que envolve direitos a previdência, saúde, assistência social e trabalho. Logo após o passo constitucional adentramos num ambiente de contrarreformas neoliberais, onde a seguridade social passou a ser vista como gasto perdulário e não como rede solidária de proteção social. Os governos de coalizão de centro-esquerda também não pouparam a seguridade social brasileira de dessabores, apesar de alguns avanços no varejo, com destaque ao Estatuto do Idoso que ampliou o acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) e à política de recuperação do salário mínimo, com impacto real nos benefícios previdenciários. Mas mesmo aqui vimos isenções fiscais portentosas de fontes da seguridade social (Cofins e CSLL) e foram mantidos os parâmetros macroeconômicos do período anterior (DRU, superávit primário, gestão da taxa de juros/dívida pública).
Desde o golpe de Estado de 2016 estamos num novo regime fiscal ultraliberal, que será aprofundado pelo governo eleito em 2018. Neste passo, os dias da seguridade social, essencial para milhões de cidadãos(ãs) brasileiros(as), não prometem ser melhores. Na “marcha da insensatez” e do “sono da razão” impulsionados pelo governo ilegítimo de Temer e que tem continuidade com o superpoderoso Paulo Guedes, são inviabilizadas políticas públicas que asseguram direitos.
A medida abre-alas do ajuste fiscal de Temer foi a EC 95, a EC do Fim do Mundo, aprovada em 29 de novembro de 2016, após devastadora repressão a manifestantes contra a medida. A EC 95 indexa os gastos primários do governo federal à inflação do ano anterior, poupando os juros, encargos e amortizações da dívida pública, algumas transferências constitucionais e as chamadas empresas estatais independentes. Esta medida se combina à EC 93, que prorrogou a DRU até 2023 e que desvincula hoje 30% da receita das contribuições sociais – receitas da seguridade social – para uso em outras rubricas. Tais regras de gastos foram constitucionalizadas no Brasil, o que é inédito e inexplicável, diante da experiência internacional e de dispor, o país, de uma Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei de Diretrizes Orçamentárias. Todos esses instrumentos mereceriam uma profunda revisão crítica, pois privilegiam os serviços da dívida pública em detrimento do gasto social. Mas o que se fez foi piorar a situação: abocanhar uma parte maior das receitas da seguridade social e comprimir os gastos primários.
Os resultados para a seguridade social não poderiam ser outros: perdas e danos. Entre 2016 e 2017, no nível federal (dados do Siga Brasil), a saúde perdeu 7% de seus recursos (de 111,4 para 103,7 bilhões). A Assistência Social, que vinha num ritmo de crescimento com a criação do SUAS e do Programa Bolsa Família, teve uma queda de 2,8% (de 86,2 para 83,8 bilhões). A Previdência Social, impactada pelo desemprego, viveu uma queda de 0,2% (645,1 para 643,5 bilhões). É interessante notar que os juros e encargos da dívida pública consomem cerca de 25 a 30% do orçamento público, o que não é posto em questão. Mas a Previdência Social, que suporta as necessidades básicas de milhões de famílias e municípios inteiros se torna a grande vilã. Muitos estudos vêm demonstrando que a seguridade social não é deficitária no seu conjunto, que há uma dívida ativa monumental a ser recuperada (cerca de 425 bilhões), e que se pode reformar a Previdência não pela lógica da tesoura, mas pela lógica dos direitos. A proposta de orçamento para a Assistência Social em 2019 prevê um corte de 46,5 bilhões. Se pensarmos que boa parte dos municípios brasileiros depende das transferências federais, a projeção para o SUAS, vivendo com minguados 14,6 bilhões, é desastrosa. O Conselho Nacional de Assistência Social prevê o fechamento de 17 mil equipamentos, a precarização ainda maior dos trabalhadores do SUAS, cortes de benefícios para idosos, pessoas com deficiência e Bolsa Família. As consequências são óbvias: o aprofundamento do drama crônico brasileiro – a desigualdade social, a pobreza, a miséria –, acompanhado de mais violência e barbarização da vida.
* Professora da FSS/Uerj; com colaboração da ADUFRJ, Asduerj e Asfoc