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Lucro acima de tudo e lama acima de todos. O caso da barragem de Brumadinho

28/01/2019

A Asfoc-SN manifesta sua solidariedade às vítimas do rompimento da barragem de rejeitos de minérios da empresa Vale S. A., na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG). Manifestamos também nossa preocupação com as dimensões, as consequências e a duração que os danos ambientais e socioeconômicos possam alcançar. Estamos lidando com materiais altamente poluentes e nocivos ao ambiente e à saúde humana e animal. Lembramos que ainda não há registros precisos do número de vítimas ou de pessoas desaparecidas e desabrigadas. Lembramos igualmente que a lama já chegou ao Rio Paraopeba - que integra o sistema de abastecimento d’água de Belo Horizonte e da região metropolitana - e, posteriormente, pode chegar ao Rio São Francisco, que atravessa cinco Estados (Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas) e envolve mais de 500 municípios em sua bacia.

Manifestamos também o nosso total repúdio à negligência da empresa e dos poderes públicos Estadual e Federal no que toca à fiscalização e a criação de legislação capaz de evitar eventos criminosos como este. Estima-se que das 688 barragens existentes em Minas Gerais, cerca de 300 correm o mesmo risco. No país são cerca de 24 mil barragens sem a devida fiscalização. Não há investimento em estruturas de vigilância. Estas últimas são pífias diante das enormes atribuições a elas delegadas. Um exemplo candente da necessidade de um serviço público eficiente como defensor dos interesses da sociedade.

Em nossa opinião, a tragédia poderia ter sido evitada se tivéssemos políticas sérias e eficazes de meio ambiente no que toca à segurança e monitoramento das barragens. Uma deficiência antiga e que se manifesta em outras áreas como a reincidência do abandono de uma cápsula de césio 137 no último dia 23 em um ferro velho em Arapiraca (AL). Na mesma linha, repudiamos a não punição dos responsáveis por casos anteriores a exemplo dos processos - ainda sem solução - relativos ao rompimento da barragem da Samarco, ocorrido em 2015 na cidade mineira de Mariana. Impunidade gera corrupção e desleixo com o patrimônio público e a segurança da sociedade.

A direção da Asfoc-SN já entrou em contato com a direção do Instituto René Rachou; com a representação regional do nosso Sindicato; com o Movimento dos Atingidos por Barragens e com outras entidades e movimentos sociais no sentido de colaborar na organização da estrutura de apoio imediato às vítimas e às instituições que estão atuando na região. Estamos organizando também campanhas em todas as unidades da Fiocruz no país para coleta de doações de mantimentos, roupas e outros produtos que se façam necessários para o atendimento às vítimas e suas famílias.

Embora não exista nenhum estudo conclusivo da Fiocruz que comprove ou indique uma relação direta entre o rompimento de barragens e o surgimento ou a facilitação da propagação de epidemias, a súbita e permanente degradação ambiental constitui um elemento importante para a alteração das condições de risco sanitário e epidemiológico das regiões atingidas, merecendo, portanto, monitoramento e atenção especial.

Sabemos que o lucro é a meta final de todo empreendimento econômico. Sabemos que a autorregulação do mercado é uma falácia. Deixadas livres de qualquer fiscalização ou constrangimentos legais, as empresas tendem a reduzir seus custos em detrimento de preocupação com questões relacionadas à proteção do meio ambiente e à saúde da população. Ultimamente testemunhamos um forte ataque - principalmente dos setores extrativistas e dos produtores de commodities – aos estatutos e instituições de proteção ao meio ambiente. Instituições e ambientalistas têm sido pintados como obstáculos ideológicos ao desenvolvimento. Setores conservadores têm tratado o aquecimento global como uma conspiração ambientalista ligada a posições políticas identificadas com a esquerda. O governo recém-empossado ressalta, mesmo que de forma claudicante diante das pressões internacionais, a sua disposição para se retirar do Acordo de Paris de combate às mudanças climáticas. As metas da agenda 2030 encontram-se comprometidas tanto pela não adesão quanto pela consequente ausência de investimentos para atingi-las. Áreas indígenas, quilombos e reservas florestais encontram-se ameaçadas. Defende-se a liberação da caça e dos agrotóxicos ao mesmo tempo em que se ataca uma improvável e inexistente “indústria de multas”. O novo governo não esconde o seu desejo de flexibilizar a legislação de proteção ao meio ambiente e afrouxar as exigências para o licenciamento de empreendimentos como mineradoras, hidrelétricas e madeireiras. A imagem do país no exterior é péssima e a história já demonstrou que tal situação pode se concretizar em graves prejuízos para a economia do país. Cabe lembrar o esforço de Oswaldo Cruz em sanear a capital da república, cuja imagem comprometia a economia cafeeira.

Repudiamos igualmente o modelo econômico baseado quase que exclusivamente na exportação de commodities. Um modelo imediatista, dependente e extremamente agressivo e predatório, cuja regra e exaurir o meio ambiente, como é o caso da mineração intensiva. Um modelo arcaico, em grande parte extrativista e totalmente carente de geração de valor agregado. Um modelo concentrador de riqueza, que aniquila biomas, ecossistemas e comunidades tradicionais. Um sistema produtor de pobreza. Um sistema que eterniza a dependência e trava o desenvolvimento científico, tecnológico e industrial do país. Trocamos commodities por produtos industrializados. Toneladas de ferro, urânio ou soja em troca de chips e outros produtos. Um modelo que associa extrativismo e rentismo a políticas de privatização. Um modelo que trabalha contra a autonomia tecnológica e a soberania nacional.

O caso da Vale é emblemático. Criada em 1942 por Getúlio Vargas, a empresa integrava, ao lado da Companhia Siderúrgica Nacional, um plano para alavancar desenvolvimento industrial do país. Enquanto esteve sob o controle do Estado brasileiro a empresa cresceu (sem acidentes graves) e se tornou exemplo do potencial do poder público enquanto criador e gestor de empresas estratégicas para o conjunto da economia do país. Detentora de um valor incalculável não só pelas imensas riquezas minerais que reuniu (ferro, bauxita, nióbio, alumínio, cobre, carvão, manganês, ouro, urânio, entre outros), bem como a construção de uma formidável estrutura logística capaz de operar em mais da metade dos estados brasileiros, a empresa já foi considerada a joia da coroa do Estado brasileiro. Uma estrutura que comportava uma extensa malha ferroviária com milhares de quilômetros, portos, usinas e terminais marítimos. Privatizada a um preço muito abaixo do seu valor, restou ao país vender ferro e outros minerais em estado bruto e se desindustrializar. Para os novos proprietários lucros estrondosos. Para o país a transformação das montanhas em crateras e danos econômicos e sociais de longa permanência. Em uma palavra: a lama.

A privatização não gerou eficiência, segurança ou algum retorno benéfico para a sociedade e para o futuro do país. Gerou mais uma vez, como vimos agora, sofrimento e riscos para nosso futuro. Aqueles que adquiriram a empresa a um preço irrisório obtiveram lucro altíssimos. Para o país sobrou perdas de vidas e prejuízos incalculáveis. Uma repetição que denuncia a ausência de autonomia do poder público e seus representantes em relação aos grandes grupos econômicos. É preciso, portanto, que a sociedade cobre e participe mais da formulação de políticas públicas e da fiscalização de seu cumprimento. Até quando iremos conviver com situações como essa?

 

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