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Live debate “apartheid” de vacinas, quebra de patentes e uso mais consciente de recursos ambientais para desenvolvimento humano

25/11/2021
A Asfoc-SN promoveu na última terça-feira (23/11) a live “A pandemia e a classe trabalhadora: bioética, vacinas e a pesquisa”. Na ocasião, o chefe do departamento de Política de Medicamentos e Assistência Farmacêutica da Ensp, Jorge Bermudez, e o diretor de Assuntos Internacionais da Rede Latino Americana e do Caribe de Bioética da Unesco, Volnei Garrafa, debateram “apartheid” de vacinas, quebra de patentes, uso consciente de recursos ambientais para o desenvolvimento da humanidade, entre outros temas importantes.
Em sua apresentação, o doutor em Saúde Pública Jorge Bermudez chamou a atenção para a imensa desigualdade de acesso às vacinas contra a Covid-19 entre países ricos e pobres, chamada de “apartheid” na saúde.
No início da distribuição mundial de vacinas no ano passado, a disputa deste mercado foi marcada pelo abismo entre os países: enquanto 80 milhões de doses eram encaminhadas aos países desenvolvidos (mais da metade da produção do planeta), Guiné, na África, recebia apenas 55 doses.
Esse abismo também foi observado no campo da pesquisa de vacinas – além de medicamentos, e em produção de máscaras, seringas e agulhas. Em 2020, o presidente dos Estados Unidos à época, Donald Trump, com o objetivo de acelerar a criação de uma vacina contra o novo coronavírus, investiu bilhões de dólares na chamada Operação “Warp Speed” (incrivelmente rápido).
Os Estados Unidos, por sua vez, compraram esses itens em quantidades muito superiores a que necessitavam. “Esse nacionalismo exacerbado levou ao que a Organização Mundial de Saúde está chamando de apartheid de vacinas”, afirmou Bermudez.
O doutor em Saúde Pública também chamou a atenção para o custo e o preço das vacinas contra a Covid-19. Em recente artigo publicado pelos professores Donald Light e Joel Lexchin, no Jornal Royal Society of Medicine, no Reino Unido, uma fábrica com produção de 100 milhões de doses por ano teria, em média, o custo/dose entre US$ 0,54 e US$ 0,98 – considerando o custo da planta de produção, do pessoal, produção da substância, envaze e enchimento (baseado na vacina Janssen).
De acordo com a agência de notícias Reuters, o jornal Financial Times e a TV CNBC, os preços de mercado das doses das vacinas candidatas em dezembro de 2020 eram os seguintes: Moderna (US$ 37), Coronavac (US$ 30), Pfizer (US$ 20), Janssen (US$ 10) e AstraZeneca (US$ 4). “O custo não tem a ver com o preço. O que nós estamos combatendo é o abuso”, ressaltou Bermudez.
Em 2018, junto com Fernando Pigatto (CNS) e Ronald Santos, Bermudez escreveu o artigo “O que podemos alegar? – As patentes da Gilead e crime de lesa-humanidade”. O texto é uma crítica de como o oligopólio da indústria farmacêutica afeta a soberania das nações e compromete a vida das pessoas ao tratar medicamentos como mercadorias, impondo preços abusivos e impedindo países de produzir genéricos.
Em um dos slides da apresentação, Bermudez pergunta: Saúde ou comércio, solidariedade ou disputa de mercado, acesso ou cobiça? “O que assistimos na atual crise sanitária são países centrais discutindo a aprovação da vacina para crianças e adolescentes, a dose de reforço. Países periféricos ainda não conseguiram vacinar profissionais de saúde da linha de frente da pandemia: o apartheid de vacinas”, criticou.
Pfizer, BioNTech e Moderna, de acordo com dados da “Peoples Vaccine Alliance”, estão com lucros conjuntos de US$ 1.000/segundo, apesar de terem recebido financiamento de recursos públicos de mais de US$ 8 bilhões. “As empresas se recusam ainda a transferir tecnologia e know-how com a OMS, mas insistem em ampliar sua própria capacidade para manter o monopólio”, atacou.
Ele acrescentou que menos de 1% da produção da Pfizer e apenas 0,2% da Moderna foram entregues a países de baixa renda. “Estamos diante de um sistema falido, fracassado, e a propriedade intelectual é uma barreira ao acesso. Temos inovação, mas não há acesso”.
Bermudez encerrou sua apresentação com uma frase da ex-primeira-ministra da Índia Indira Gandhi, abrindo a Assembleia Mundial da Saúde, em Genebra, na Suíça, em 1981: “Minha ideia de um mundo melhor é aquele em que as descobertas médicas estejam livres de patentes e que ninguém lucre com a vida ou com a morte”.
Diretor de Assuntos Internacionais da Rede Latino Americana e do Caribe de Bioética da Unesco, Volnei Garrafa também abordou a questão do abismo entre ricos e pobres. Citou a Revista Forbes, publicação especializada em negócios e economia, que atualizou a fortuna dos bilionários do planeta. No topo, empresas norte-americanas: Amazon, Google e Uber.
“Juntos, esses três conglomerados aumentaram suas riquezas em US$ 1,3 trilhão durante a pandemia. Os ricos enriqueceram ainda mais e os pobres empobreceram. Isso é o inverso de qualquer base de moralidade e ética para qualquer coisa”.
Para Volnei, não há planeta que aguente uma disparidade como essa. Segundo ele, o capitalismo fracassou. “Vão explodir esse planeta deixando nas mãos todas essas teorias capitalistas selvagens onde meia dúzia enriquece e os grandes contingentes populacionais ficam alijados completamente dos benefícios do desenvolvimento científico e tecnológico”.
Apesar do gigantesco esforço empreendido por organismos internacionais (OMS, Unesco e OMC) para combater a crescente concentração de renda no mundo, Volnei disse ainda ser insuficiente o alcance de um real impacto humanitário global no sentido de melhorar o acesso das pessoas mais necessitadas ao usufruto dos benefícios vistos no desenvolvimento científico e tecnológico.
Para ele, a atual emergência sanitária mundial tornou cristalina a interligação e interdependência da saúde global. “O mundo é tão saudável quanto a sua mais desassistida população, ou seja, os pobres necessitam ser também atendidos para que os ricos também possam sobreviver. Deem-se conta disso”, alertou.
Para Volnei, as iniquidades precisam ser combatidas. O acesso à saúde, incluindo medicamentos e vacinas, precisa ser garantido como direito universal de todas as pessoas que vivem no planeta. “Temos riquezas suficientes para dar acesso universal a todas essas pessoas. É justo, necessário, indispensável”.
O diretor da Unesco lembrou ainda que a degradação ambiental coloca vidas socialmente negligenciadas em contato com novos patógenos. Não à toa, há duas décadas alertas científicos identificam o início de uma era de grandes pandemias.
“A solidariedade, o compartilhamento dos benefícios, a quebra das patentes dos medicamentos e vacinas contra a Covid-19, o uso mais consciente de recursos ambientais, a distribuição mais igual de renda e acesso a garantias básicas, como a saúde, são necessárias, imperiosas, porque são justas e urgentes. Caminham para a própria sobrevivência o futuro da espécie humana e do próprio planeta”, finalizou.
A presidente da Asfoc, Mychelle Alves, e o vice, Paulo Garrido (em vídeo gravado), participaram da abertura do evento digital saudando os convidados, enquanto os diretores Carlos Fidelis Ponte e Luís Muniz interagiram com os painelistas por quase duas horas, comentando e fazendo perguntas aos debatedores.
Acesse o link e assista ao evento digital na íntegra: https://www.facebook.com/asfocsn/videos/410573340405691/
 
 

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